domingo, 25 de outubro de 2009

O que de mim ainda resta


Você que tantas vezes bebeu meu gozo
Que viu meu peito arfar de tanto ardor
Que roubou-me o ar com sua boca
Devorando-me até a última gota de amor.

Agora, mostra-se como uma cabeça oca
Sem lembrança, jogada na existência com pavor
Amarre meu pescoço, condene-me a forca
Só não me deixe existir, morrendo de dor.

Volte para os meus braços, Bela reluzente
Ilumine a minha vida, com esse ar contente
Roube essa alma, deste corpo já ausente.

Beije-me como se ainda me amasse
Engane-me, como se ainda restasse
Um pouco de mim na sua mente.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A noite


Oh! Noite interminável,
quente, salgada, incômoda
Tira esse meu rosto amável
E afogue-o numa onda.

Mostre-me, oh! Noite longa
De uma vez, sem demora
A minha verdadeira face
Aquela que eu fui, outrora.

Oh! Noite cruel,
Traga-me a doce aurora
E reflita neste céu
a máscara que tenho agora.

Diga-me a verdade,
Oh! Noite sofrida
Desvele minha maldade
e a bondade fingida.

Oh! Noite escura,
esconda qualquer ternura
que exista em minha vida.

Traga um furacão,
entorpeça-me de paixão
cure-me desta ferida.

Livre o meu passado
daquela sensação oprimida
dê-me a liberdade
aquela que foi perdida

Deixe-me amar de verdade
aquele que por pura maldade
trouxe-me de volta a vida.

sábado, 17 de outubro de 2009

"Dor na existência"


Certa vez, pintei pra você
Pus minha alma ali
Uma vida inteira
Como se com esse gesto,
este singelo gesto cansativo,
eu pudesse salvá-lo de todas as dores do mundo.
Inclusive a da existência.
E talvez eu tenha dado vida a você.
Afinal,
Você só começou a existir pra mim
No exato momento em que meus olhos desejaram os seus
e tudo que havia em você,
tudo que há e existe,
tudo que foi e que nunca será.

Dentre todos os entes
que eu desejei dar existência
Você foi o melhor dos meus desejos
De tudo que há e existe
De tudo que foi e que ainda será.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O amado



Sua presença foi notada pela primeira vez num dia frio de primavera. Naquele bosque regado de vida, sua seriedade parecia se impor sobre todas as outras coisas. O mundo seria dele mais cedo ou mais tarde. E ela não estaria ali para assisti-lo.

A fé lhe transbordava pelos poros. Causava temor aproximar-se de alguém tão rigoroso consigo mesmo e com os outros; tão admiralvemente moral e justo. Jamais lhe alcançariam o padrão de ser. Mas, aos poucos ela foi tomando-lhe o tempo, a mente, o corpo. E por fim, aquele coração que supusera amar tantas vezes, descobrira uma curiosa paixão. Talvez um pouco descontrolada; um pathos irascível, possessivo, ciumento e por fim, agressivo.

E aqueles lábios desejaram o álcool e a nicotina para suprir a falta de outros lábios. A mente precisava ocupar-se com livros, blogs, artigos e filosofias. Seu psicanalista confundia-se com os extremos e a sua amante desistia desse amor. Desistia do mundo reconstruido na sua mente, só para sentir esse arrebatamento mais uma vez.

Desconhecia a nova forma daquele rapaz intelectual, aromatizado com as essências dos grandes campos. Era incapaz de nomeá-lo, e por fim, ela desejava o antigo rapaz dos bosques. Este novo acostumara-se a cidade grande, ao trabalho na tv e aos forrós de quinta a noite. Tornara-se mais um na multidão de homens comuns. Mas, mesmo assim o amava, ainda que ele gritasse, chingasse ou pensasse que no fundo, era a amante quem tinha mudado e não ele próprio: o amado.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O dragão dourado


Um dia resolveram que eu estudaria Direito. Isso deve fazer uns cinco anos no próxmo inverno. Não que isso faça muita diferença, mas só agora me dei conta de que uma das coisas mais importantes e mais estranhas da minha vida aconteceu na faculdade. Ainda bem que escolheram por mim.

Acontece que no primeiro dia, o fatídico dia em que eu realmente daria alguns dedos para não estar ali, tive uma visão; porque, obviamente, aquilo não poderia ser real. Minha mente não seria criativa a ponto de inventar algo como um dragão dourado belo e reluzente olhando pra mim, falando comigo e puxando uma suave discussão envolvendo economia, Marx e provavelmente suas tentativas de salvar o mundo.

Aquilo me perturbou durante semanas. Mas, os outros pareciam não se dar conta daquele enorme dragão soltando fumaça e jogando seu charme pra meninas indefesas. Eu estava enlouquecendo. Sempre gostei de dragões. E ter um assim, do seu lado, faz sua respiração falhar por alguns segundos.

Então, o dragão arrumou uma namorada. Ela era da turma. Eles eram lindos. Mas os dragões são meio azarados no amor como pude perceber mais tarde. E ele se tornou meu amigo. O melhor, o mais forte, o mais belo, o mais cativante, o mais engraçado e bom.

Ele me aconselhava em algumas noites frias. Vinha do reino dos dragões voando suave pra me levar ao cinema. (Ele gostava muito de desenhos 3D). Ria das minhas bebedeiras e de vez em quando esboçava um pseudo-ciúme infantil. E eu o amava, com tudo que se pode amar o dragão mais leal, justo, honesto e belo que existe. Ainda que na minha mente ele pareça uma saudável alucinação. Eu não ligo. Ele será sempre meu dragão.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Com Tolkien, para Beren


Nos encontramos na Terra-Média. Ele levava seu cachimbo e eu escondia alguns Dragões e Balrogs no fundo da bolsa. Falava enrolado, como alguém que tem muito a dizer mas que não consegue expressar. No entanto, em meio a ironias sutis, quase divertidas, sua expressão era mais severa que a de um pastor presbiteriano calvinista predestinado a salvação.

Discutimos a magnitude do brilho das Silmarills e invocamos alguns Ents para uma companhia tranquila. Vimos Mithrandir provocar alguns Hobbits e caminhamos a esmo pelas florestas encantadas parando apenas para discutir a natureza de todos os desentendimentos entre elfos e anões. E depois de muito debate, concluimos que o mundo foi realmente tecido por uma melodia quase inaudível.

Por fim, perguntei sobre Lúthien; e o silêncio agressivo dos seus olhos me sugou para seu próprio abismo. O homem animado e quase infantil, tornara-se sorumbático. E como num filme, conforme contava a sua história pude ver a minha própria entrelaçando-se a dos nossos personagens favoritos. Eram três estórias de amor. Uma marcada pela separação oriunda da Guerra, outra pela morte, e a minha pelas coincidências. E hoje eu compreendo. Não passam de boas estórias, dessas que rendem poesias, cartas, fotos e algumas lágrimas.