quarta-feira, 19 de março de 2014

Easy Living II






A memória de Willy lhe doía como um corte fino e profundo.
Não tê-lo por perto, não lê-lo aos domingos, através das incontáveis cartas... tudo parecia vazio.
Como um triângulo perfeito que perde uma reta, assim era a vida sem ele.

De nada adiantava comandar a casa, versar-se em filosofia e literatura se uma parte de mim havia sido esquecida.

Onde estaria Willy naquele momento? Decerto ouvindo algo incompreensível e erudito. Não... talvez estivesse escrevendo.
Mas, sobre o que? Estaria ele pensando naquele ano novo sob a colina?

Lembro como se fosse ontem... trinta e cinco anos e uma vida plena!
Willy estava lindo sob o luar. Sempre achei que a Lua tivesse algo somente dele.
Como se fossem feitos de pedacinhos um do outro e se misturassem pouco a pouco. Era isso!
Willy era uma pedacinho de Lua enquanto Antonio um pedacinho do Sol.
Na verdade acho que Antonio era o próprio Sol e nós girávamos em torno dele.
Orgulhoso e eloquente, esbanjava saber. Nunca o tédio estaria presente enquanto estivéssemos todos juntos.
Éramos nosso próprio universo. Completávamos uns aos outros. E éramos loucamente felizes.

Willy ria alto e era profundo. Não precisávamos de muitas palavras.
Um carinho ou um soco bastavam para expressar nosso contentamento.
Já Antonio analisava, como se cada pessoa fosse um pequeno livro a ser lido.
E sempre percebia algo que nos era oculto.

Willy levava um lenço ao pescoço para esconder o amor do dia anterior.
Era esbelto e delicado, como são os músicos talentosos.
E as mãos? Feitas de Lua! Brancas e puras! Notas perfeitas saíam delas, assim como poemas.
Enquanto isso, Antonio era mais agressivo. Tinha olhar leonino e mãos feitas para espadas.
Sua energia era inesgotável e acompanhá-lo não era fácil.
Willy e eu dormíamos sob o vento enquanto lá estava Antonio a ler, correr, pensar, fumar.
Como se o mundo fosse acabar na véspera de tudo que poderia viver.
Ele era nossa fonte de poder. E bebíamos gota a gota, nunca satisfeitos.
E fomos plenos.

Estevão nunca entendeu bem esse sentimento.
Esse ágape-eros-philia que nos tornávamos quando juntos.
E acho que nunca vai entender.

- Tia, me ensina a usar a tinta certa! Qual é a roxa?
- Pergunta pra sua irmã moleque! E pare de caçoar da sua tia. Barbara, Pega esse processo porque eu preciso escrever um parecer.


O que eu não daria pra passar por tudo isso outra vez?




E quando se sentia triste
lia aquela história de Willy, Rafaela e Antonio
por que queria lembrar da matéria de que era feita
da mesma substância que seus amores.
Queria amor, queria sentir e ler tudo aquilo
sobre ela mesma,
sob a ótica de outra parte de sua alma.
Isso a trazia de volta ao seu mundo,
ao seu mundo de sonhos e imaginação.

A vida de todos os dias era um tédio mortal
e quando dormia, imaginava esse amor a consumindo,
dilacerando cada pedaço do seu ser.
E era feliz.
Imensamente feliz.